Campeonato
da bufa
Estudantes,
jovens, divertidos, sempre a inventar coisas e um grupo quase sempre de homens,
chegámos ao ponto de fazermos campeonatos de bufas (incluindo as sonoras) ou,
dito de outra forma, de peidos (incluindo os silenciosos).
Quando
o ambiente se adequava e, por vezes, mesmo quando ele não se adequava, alguém
iniciava a “festa” que era logo seguida de mais uns tantos que, como podiam,
com maior ou menor “qualidade” ou quantidade perante a indignação e o incómodo
dos que não entravam na “guerra”.
Também
entrava na contenda embora não fosse nem dos melhores, nem no aspecto
qualitativo nem quantitativo. Os meus amigos dizem-me que era dos melhores, mas
vamos ser sérios (como dizem agora os políticos que não o são) eu devia
situar-me na mediania dos “concorrentes”.
Para
defesa da minha reputação digamos que havia mesmo muito poucos que não entravam
nessa disputa. Muito discretamente, ou até muito envergonhadamente, mesmo os
mais discretos e quase sempre incomodados, largavam-se silenciosamente perante
o pasmo dos “habitués” que faziam uma enorme festa que deixavam o autor entre o
feliz, por ter entrado para o grupo dos famosos, e o infeliz por ter acabado de
perder, nesse momento a possibilidade de continuar a mostrar-se incomodado.
Uma
noite, no regresso duma paródia, por volta da uma ou duas da manhã,
dividimo-nos pelos poucos carros que havia e eu, mais quatro regressámos no
carro novo do Manuel Valente, acabado de comprar com as suas pequenas
poupanças, um magnífico Datsun 1200, um dos melhores daquela altura
(1971/1972).
A
noite tinha sido divertida e acabara (diga-se que nem sempre era assim) com um
campeonato já no exterior da tasca de Porto Salvo onde ficáramos na conversa
dada a noite amena exterior e o calor interior das imperiais emborcadas que se
fazia sentir.
Foi
difícil parar o campeonato no momento em que se entrou para os automóveis. Já
no interior do novo e belo automóvel do Manel houve ainda algumas “largadas”
até ao ponto em que o Manel deu um grito enorme:
-
Que merda é esta?! Acabou! Quem continuar ponho-o fora do carro.
Fez-se
silêncio e respeito porque o Manel nem é de gritos.
Com
dificuldade travámos os aparelhos digestivos o que, como imaginam, nem sempre é
fácil. E fizemos alguns quilómetros de regresso a Lisboa até ao momento em que
surgiu (do nada diria eu) um cheiro já habitual.
-
João já te tinha avisado – gritou o Manel completamente enfurecido, travando o
carro bruscamente á beira da estrada no meio da mata de Monsanto.
Saiu,
veio abrir a porta e mandou-me sair. Barafustei, disse que não tinha sido eu,
pedi desculpa mas nada. Com o silêncio total dos outros fui posto e deixado à
beira da estrada a assistir à partida do carro do Manel Valente que logo a
seguir desapareceu na primeira curva.
Aqui
entre nós e sinceramente nem me lembro se fui realmente eu. Tive o azar de ser
o primeiro a quebrar o silêncio com uma gargalhada e os outros aproveitaram
para me tornarem a vítima.
Ah
é verdade, ia-me esquecendo de contar o resto da história.
De
noite, conhecendo mal o sítio onde estava, não sabendo para que lado deveria
seguir, fiquei no mesmo lugar durante uns cinco minutos.
De
repente, o Datsun 1200 do Manel pára, de novo, ao meu lado.
-
Entra lá, mas que seja a última vez – gritou-me ele,
ainda mais enfurecido.
No
dia seguinte a amizade foi retomada, com mais uma reprimenda do lado do Manel e
com muitas desculpas do meu lado. Os amigos são assim.
E,
ainda hoje, tenho a impressão de que fui injustiçado. Mas os outros calaram-se
… e eu ri-me.
João de Sousa / 2012