segunda-feira, 1 de dezembro de 2014


Campeonato da bufa


Estudantes, jovens, divertidos, sempre a inventar coisas e um grupo quase sempre de homens, chegámos ao ponto de fazermos campeonatos de bufas (incluindo as sonoras) ou, dito de outra forma, de peidos (incluindo os silenciosos).

Quando o ambiente se adequava e, por vezes, mesmo quando ele não se adequava, alguém iniciava a “festa” que era logo seguida de mais uns tantos que, como podiam, com maior ou menor “qualidade” ou quantidade perante a indignação e o incómodo dos que não entravam na “guerra”.

Também entrava na contenda embora não fosse nem dos melhores, nem no aspecto qualitativo nem quantitativo. Os meus amigos dizem-me que era dos melhores, mas vamos ser sérios (como dizem agora os políticos que não o são) eu devia situar-me na mediania dos “concorrentes”.

Para defesa da minha reputação digamos que havia mesmo muito poucos que não entravam nessa disputa. Muito discretamente, ou até muito envergonhadamente, mesmo os mais discretos e quase sempre incomodados, largavam-se silenciosamente perante o pasmo dos “habitués” que faziam uma enorme festa que deixavam o autor entre o feliz, por ter entrado para o grupo dos famosos, e o infeliz por ter acabado de perder, nesse momento a possibilidade de continuar a mostrar-se incomodado.

Uma noite, no regresso duma paródia, por volta da uma ou duas da manhã, dividimo-nos pelos poucos carros que havia e eu, mais quatro regressámos no carro novo do Manuel Valente, acabado de comprar com as suas pequenas poupanças, um magnífico Datsun 1200, um dos melhores daquela altura (1971/1972).

A noite tinha sido divertida e acabara (diga-se que nem sempre era assim) com um campeonato já no exterior da tasca de Porto Salvo onde ficáramos na conversa dada a noite amena exterior e o calor interior das imperiais emborcadas que se fazia sentir.

Foi difícil parar o campeonato no momento em que se entrou para os automóveis. Já no interior do novo e belo automóvel do Manel houve ainda algumas “largadas” até ao ponto em que o Manel deu um grito enorme:

- Que merda é esta?! Acabou! Quem continuar ponho-o fora do carro.

Fez-se silêncio e respeito porque o Manel nem é de gritos.

Com dificuldade travámos os aparelhos digestivos o que, como imaginam, nem sempre é fácil. E fizemos alguns quilómetros de regresso a Lisboa até ao momento em que surgiu (do nada diria eu) um cheiro já habitual.

- João já te tinha avisado – gritou o Manel completamente enfurecido, travando o carro bruscamente á beira da estrada no meio da mata de Monsanto.

Saiu, veio abrir a porta e mandou-me sair. Barafustei, disse que não tinha sido eu, pedi desculpa mas nada. Com o silêncio total dos outros fui posto e deixado à beira da estrada a assistir à partida do carro do Manel Valente que logo a seguir desapareceu na primeira curva.

Aqui entre nós e sinceramente nem me lembro se fui realmente eu. Tive o azar de ser o primeiro a quebrar o silêncio com uma gargalhada e os outros aproveitaram para me tornarem a vítima.

Ah é verdade, ia-me esquecendo de contar o resto da história.

De noite, conhecendo mal o sítio onde estava, não sabendo para que lado deveria seguir, fiquei no mesmo lugar durante uns cinco minutos.

De repente, o Datsun 1200 do Manel pára, de novo, ao meu lado.

- Entra lá, mas que seja a última vez – gritou-me ele, ainda mais enfurecido.

No dia seguinte a amizade foi retomada, com mais uma reprimenda do lado do Manel e com muitas desculpas do meu lado. Os amigos são assim.

E, ainda hoje, tenho a impressão de que fui injustiçado. Mas os outros calaram-se … e eu ri-me.

 

João de Sousa / 2012

2 comentários:

  1. Pobre Manel Valente sufocado pelas mal cheirosas bufas do João!

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  2. João Manuel,

    Em primeiro lugar, parabéns/elogio pela prosa utilizada que é um de um verdadeiro escritor.
    Em segundo lugar, por, apesar de passados mais de 40 anos, ainda te lembares do acontecimento e o reproduzires de forma tão fidedigna. Contudo, vou acrescentar dois pequenos "apports":
    - Julgo que não esperaste 5 minutos, nem um minuto esperaste, porque passados cerca de 200 metros recuei o datsun para te recolher.
    - Dirigi-me a ti porque já te tinha avisado mais que uma vez. As tuas "bufas" eram bem conhecidas por todos nós. Era um cheiro insuportável.
    Naquela noite, na "tasca" do josé Duarte, no Alto de Santo Amaro, provavelmete bebi mais que a média e por isso, enchi-me de coragem para por um grande amigo fora do Datsun. Recordo-me bem ba noite e do episódio.
    Toma nota. recordar é viver.

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