O Constantino era
um pobre homem que achava que era eléctrico, mais ainda, que produzia
electricidade.
Baixote, mesmo um
tanto anão, frequentava no final dos anos sessenta, início dos anos setenta, o
café Granada, viveiro dum grupo de estudantes de várias universidades,
principalmente da antiga “Económicas”, não muito longe dali. Os estudantes frequentavam
aquele café para estudar como era habitual na época e ali passavam uma boa
parte do seu tempo disponível nem que fosse como ponto de partida para uma boa paródia.
O grupo de
estudantes convivia com outra rapaziada que morava pela zona mas que abandonara
os estudos mais cedo e já trabalhava. Era o Manel da Tabacaria do próprio café,
o Quim que trabalhava no Diário de Notícias, o “Milhões” que trabalhava junto
da estiva do porto de Lisboa, o Rolo, e muitos outros e também o Constantino
que ia bebendo um cafezinho connosco sempre que alguém tinha disponibilidade
para lho pagar. Mais um cigarrito que ele cravava mal via alguém com um maço e
sobretudo nos dias em que havia o dito café.
O Constantino tinha
dias mais serenos e dias em que a sua débil estrutura mental se agitava
demasiado tornando-o confuso. Claro que a estudantada também não o deixava em
paz quando ele aparecia.
Nesses dias de
maior confusão, o Constantino dizia-se produtor de electricidade e avisava
quando estava “carregado”. Com ar entre o envergonhado humilde e o vaidoso
quase arrogante dizia em voz baixa quando chegava:
- Eh pa, hoje estou
carregado! Até tenho dores de cabeça.
Nós reagíamos com
ar disfarçadamente sério e avisávamos logo:
- Tem cuidado
Constantino, então não te aproximes que há dias apanhei um choque eléctrico contigo
e ainda estou dorido!
O Constantino
cuidadoso mas convencido dizia que sim que iria ter cuidado. Mas havia sempre
um malandreco que se encostava a ele e punha-se a tremer como que tivesse sido
fulminado pela corrente eléctrica.
O Constantino
sorridente agarrava então num botão da camisa do tremelicado, dava uma volta ao
botão e o outro parava de tremer.
- Estás melhor? Eu
avisei! – e ria-se satisfeito com o seu poder e com a solução rápida.
Uns minutos depois
passava o empregado de mesa com a bandeja cheia de cafés, tocava no Constantino
de propósito e punha-se a tremer com a bandeja e com as chávenas a tilintar
umas nas outras, gritando para o Constantino com ar falsamente zangado:
- Oh Constantino vê
lá se tens cuidado que ainda parto isto tudo!
O Constantino
ficava muito atrapalhado até encontrar um botão que às vezes era das calças por
baixo da bandeja que desligasse a corrente. Triunfante dizia depois tentando
justificar o botão que tinha utilizado:
- Este caso foi
muito difícil. Eu hoje estou em sobretensão!
De vez em quando
aparecia no Granada, juntava-se ao grupo, com ar triste e nós perguntávamos:
- O que tens
Constantino?
- Estou preocupado.
Tenho que fornecer a electricidade para a Feira Popular e não sei se acumulei
energia para aguentar aquilo todo o fim-de-semana!
Nós sorríamos de
soslaio e confortávamo-lo como podíamos.
- Não vai haver
problema, Constantino. Vais ver que chega.
Quando havia quebra
de electricidade naquela zona da cidade, no dia seguinte “caíamos” em cima do
Constantino:
- É inadmissível
Constantino, duas horas sem electricidade e não fizeste nada! Lá em casa fui
obrigado a mandar para o lixo os produtos que tinha no frigorífico! – dizia-lhe
com convicção um dos do grupo.
- Também a mim! E
agora o que é que faço Constantino? Sim o que é faço? Andavas por aí a passear
e eu é que me lixei – dizia outro.
O Constantino
ficava aflito e depois de muito pensar, dizia:
- Somos amigos não
somos? Escrevam-me uma carta e pode ser que consiga arranjar uma indemnização –
e com esta nos desarmava.
Um dia tentrou
ajudar um de nós a estacionar o carro.
- Podes vir, podes
vir, alto! – gritava ele.
O condutor na brincadeira
provocou-o. Andou mais um bocado e rçoubateu no carro que estava atrás.
Fingiu-se zangadíssimo saiu do carro aos gritos e dirigiu-se ao Constantino
como se lhe fosse bater.
O Constantino viu a
situação mal parada e fugiu rua acima para o meio da Madragoa com o condutor
atrás. Vendo-se quase agarrado virou-se para trás e com as mãos em forma de
flecha “disparou” raios eléctricos contra o perseguidor fazendo acompanhar o
acto de ruídos idênticos aos que os relâmpagos fazem.
Vendo aquilo o
nosso amigo perseguidor ia-se desfazendo a rir mas levando a paródia a
preceito, simulou que tinha sido atingido, voltou para o carro enquanto o
Constantino continuava a fugir e a “disparar” raios até desaparecer numa curva
mais acima.
No
dia seguinte no café Granada já o nosso amigo condutor tinha contado a história
a todos nós quando apareceu o Constantino. Sentou-se e durante uns minutos
apenas constatou que a conversa não era sobre o incidente. Não resistiu e virou-se
para o seu perseguidor com ar vaidoso e triunfante, perguntando:
-
Então estás bem? Magoei-te? Olha que quando se metem comigo eu não perdoo e
utilizo todas as minhas armas!
João
de Sousa / 2014
João!
ResponderEliminarMagnífica entrada! Tu andavas a prometê-las...
Tens que fazer mais como este e os outros amigos também (isto lembra-me qualquer coisa...)
Acho que tens de pôr a letra um bocadinho maior e usar menos espaços, senão ainda m'ocupas o blog todo.
Abraço
Luis Vieira
Excelente João! Do que te foste lembrar|! O Constantino era uma figura do Granada .... que me voltou à memória ao fim de todos estes anos ....
ResponderEliminarVenham mais "estórias"!
Gostei da "estória", muito bem escrita e descrita, embora não me recorde muito bem do Constantino...
ResponderEliminarExcelente prosa.
ResponderEliminarAdmirável recordação de tantos pormenores sobre o Constantino depois de passados mais de 40 anos.
28-04-2015
MPValente