quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Constantino e a electricidade


O Constantino era um pobre homem que achava que era eléctrico, mais ainda, que produzia electricidade.

Baixote, mesmo um tanto anão, frequentava no final dos anos sessenta, início dos anos setenta, o café Granada, viveiro dum grupo de estudantes de várias universidades, principalmente da antiga “Económicas”, não muito longe dali. Os estudantes frequentavam aquele café para estudar como era habitual na época e ali passavam uma boa parte do seu tempo disponível nem que fosse como ponto de partida para uma boa paródia.

O grupo de estudantes convivia com outra rapaziada que morava pela zona mas que abandonara os estudos mais cedo e já trabalhava. Era o Manel da Tabacaria do próprio café, o Quim que trabalhava no Diário de Notícias, o “Milhões” que trabalhava junto da estiva do porto de Lisboa, o Rolo, e muitos outros e também o Constantino que ia bebendo um cafezinho connosco sempre que alguém tinha disponibilidade para lho pagar. Mais um cigarrito que ele cravava mal via alguém com um maço e sobretudo nos dias em que havia o dito café.

O Constantino tinha dias mais serenos e dias em que a sua débil estrutura mental se agitava demasiado tornando-o confuso. Claro que a estudantada também não o deixava em paz quando ele aparecia.

Nesses dias de maior confusão, o Constantino dizia-se produtor de electricidade e avisava quando estava “carregado”. Com ar entre o envergonhado humilde e o vaidoso quase arrogante dizia em voz baixa quando chegava:

- Eh pa, hoje estou carregado! Até tenho dores de cabeça.

Nós reagíamos com ar disfarçadamente sério e avisávamos logo:

- Tem cuidado Constantino, então não te aproximes que há dias apanhei um choque eléctrico contigo e ainda estou dorido!

O Constantino cuidadoso mas convencido dizia que sim que iria ter cuidado. Mas havia sempre um malandreco que se encostava a ele e punha-se a tremer como que tivesse sido fulminado pela corrente eléctrica.

O Constantino sorridente agarrava então num botão da camisa do tremelicado, dava uma volta ao botão e o outro parava de tremer.

- Estás melhor? Eu avisei! – e ria-se satisfeito com o seu poder e com a solução rápida.

Uns minutos depois passava o empregado de mesa com a bandeja cheia de cafés, tocava no Constantino de propósito e punha-se a tremer com a bandeja e com as chávenas a tilintar umas nas outras, gritando para o Constantino com ar falsamente zangado:

- Oh Constantino vê lá se tens cuidado que ainda parto isto tudo!

O Constantino ficava muito atrapalhado até encontrar um botão que às vezes era das calças por baixo da bandeja que desligasse a corrente. Triunfante dizia depois tentando justificar o botão que tinha utilizado:

- Este caso foi muito difícil. Eu hoje estou em sobretensão!

De vez em quando aparecia no Granada, juntava-se ao grupo, com ar triste e nós perguntávamos:

- O que tens Constantino?

- Estou preocupado. Tenho que fornecer a electricidade para a Feira Popular e não sei se acumulei energia para aguentar aquilo todo o fim-de-semana!

Nós sorríamos de soslaio e confortávamo-lo como podíamos.

- Não vai haver problema, Constantino. Vais ver que chega.

Quando havia quebra de electricidade naquela zona da cidade, no dia seguinte “caíamos” em cima do Constantino:

- É inadmissível Constantino, duas horas sem electricidade e não fizeste nada! Lá em casa fui obrigado a mandar para o lixo os produtos que tinha no frigorífico! – dizia-lhe com convicção um dos do grupo.

- Também a mim! E agora o que é que faço Constantino? Sim o que é faço? Andavas por aí a passear e eu é que me lixei – dizia outro.

O Constantino ficava aflito e depois de muito pensar, dizia:

- Somos amigos não somos? Escrevam-me uma carta e pode ser que consiga arranjar uma indemnização – e com esta nos desarmava.

Um dia tentrou ajudar um de nós a estacionar o carro.

- Podes vir, podes vir, alto! – gritava ele.

O condutor na brincadeira provocou-o. Andou mais um bocado e rçoubateu no carro que estava atrás. Fingiu-se zangadíssimo saiu do carro aos gritos e dirigiu-se ao Constantino como se lhe fosse bater.

O Constantino viu a situação mal parada e fugiu rua acima para o meio da Madragoa com o condutor atrás. Vendo-se quase agarrado virou-se para trás e com as mãos em forma de flecha “disparou” raios eléctricos contra o perseguidor fazendo acompanhar o acto de ruídos idênticos aos que os relâmpagos fazem.

Vendo aquilo o nosso amigo perseguidor ia-se desfazendo a rir mas levando a paródia a preceito, simulou que tinha sido atingido, voltou para o carro enquanto o Constantino continuava a fugir e a “disparar” raios até desaparecer numa curva mais acima.

No dia seguinte no café Granada já o nosso amigo condutor tinha contado a história a todos nós quando apareceu o Constantino. Sentou-se e durante uns minutos apenas constatou que a conversa não era sobre o incidente. Não resistiu e virou-se para o seu perseguidor com ar vaidoso e triunfante, perguntando:

- Então estás bem? Magoei-te? Olha que quando se metem comigo eu não perdoo e utilizo todas as minhas armas!

 

João de Sousa / 2014

4 comentários:

  1. João!
    Magnífica entrada! Tu andavas a prometê-las...
    Tens que fazer mais como este e os outros amigos também (isto lembra-me qualquer coisa...)
    Acho que tens de pôr a letra um bocadinho maior e usar menos espaços, senão ainda m'ocupas o blog todo.

    Abraço

    Luis Vieira

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  2. Excelente João! Do que te foste lembrar|! O Constantino era uma figura do Granada .... que me voltou à memória ao fim de todos estes anos ....
    Venham mais "estórias"!

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  3. Gostei da "estória", muito bem escrita e descrita, embora não me recorde muito bem do Constantino...

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  4. Excelente prosa.
    Admirável recordação de tantos pormenores sobre o Constantino depois de passados mais de 40 anos.
    28-04-2015
    MPValente

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